“Todo israelita ou estrangeiro residente que comer sangue de
qualquer animal eu me voltarei contra esse que comeu sangue, e o ELIMINAREI DO
MEIO DO SEU POVO. (Lv 17:10)”.
Hoje, comer sangue de animais é pecado? Sendo que a carne é
entremeada de sangue? A lei sobre não comer sangue de animais puros foi dada
por Deus aos israelitas. O principal objetivo dessa lei era a de o POVO
RESPEITAR O SANGUE dos animais, pois eles eram dados como EXPIAÇÃO DOS PECADOS
do ser humano (Lv 17. 10-16). Além disso, as leis sobre as restrições
alimentares também visavam diferenciar o povo de Deus (os israelitas), dos
gentios (os outros povos). Nesse sentido, o povo devia ser santo (separado, consagrado
ao Senhor), obedecendo todas as Suas leis.
Em nosso tempo comer sangue NÃO É PECADO. A restrição de
comer sangue cai por terra quando Jesus suspende as restrições alimentares a
partir da nova aliança de Seu sangue, a ALIANÇA DA GRAÇA que agora incluí os
gentios. Por isso, agora não há mais necessidade dessa diferenciação, pois os
gentios são incluídos na aliança. Outro fato importante é que, após o sacrifico
pleno e perfeito de Cristo, sua expiação, seu sangue derramado, NÃO EXISTE MAIS
o sistema sacrificial usando animais ou sangue de animais, FOI ANULADO.
Temos três textos importantes que nos ajudam a compreender
melhor a questão: “…porque não lhe entra no coração, mas no ventre, e sai para
lugar escuso? E, assim, considerou ele [Jesus] puros todos os alimentos (Mc
7:19)”. Como vemos, as RESTRIÇÕES ALIMENTARES já não fazem sentido e foram
abolidas por Cristo. Em Romanos 14:1-6 Paulo fala um pouco sobre a questão das
restrições alimentares e compara as pessoas presas a elas como ainda “fracos”
ou com uma fé ainda frágil. Em outro texto: “Ninguém, pois, vos julgue por
causa de comida e bebida, ou dia de festa, ou lua nova, ou sábados, porque tudo
isso tem sido sombra das coisas que haviam de vir… (Cl 2:16-17)”. Vemos aqui
que a questão da “comida” (como vista na lei) é colocada como SOMBRA de algo
maior que viria: JESUS CRISTO E A PLENITUDE DA GRAÇA. A questão sobre comer
sangue está incluída aqui.
Alguns usam o texto (Eu também acreditava assim): “Pois
pareceu bem ao Espírito Santo e a nós não vos impor maior encargo além destas
coisas essenciais: que vos abstenhais das coisas sacrificadas a ídolos, bem
como do sangue, da carne de animais sufocados e das relações sexuais ilícitas;
destas coisas fareis bem se vos guardardes. Saúde. (At 15:28-29)”, para embasar
que devemos nos abster de comer sangue, porém, nesse texto vemos apenas uma
MEDIDA DE BOM SENSO visando uma conciliação entre gentios e judeus. Os judeus
convertidos deveriam respeitar os gentios convertidos, pois eles, em Cristo,
não tinham a obrigação de obedecer aos aspectos cerimoniais da lei. Por sua
vez, os gentios não deveriam desrespeitar os judeus que ainda viviam alguns
aspectos cerimoniais da lei. Assim, FOI FEITO UM ACORDO para que ALGUNS ITENS
FOSSEM RESPEITADOS por todos. Foi algo pontual, focando as principais
divergências que eles tinham à época.
Os cristãos podem comer alimento com sangue e carne
sufocada?
Muitos crentes sinceros se deparam com dificuldades durante
a leitura bíblica. Todavia, como dizia o Dr. Martyn Lloyd Jones, "dúvidas
não são incompatíveis com a fé". Deveras vezes, todos nós, nos deparamos
com versículos e situações da vida onde não encontramos alguma solução imediata
para a dúvida.
Dentre todas as incertezas, está aquela que diz respeito a
licitude ou não de se comer alimentos com sangue e carne sufocada. Alguns são
os versículos que suscitam tal ponto de interrogação:
- "Toda a pessoa que comer algum sangue, aquela pessoa
será extirpada do seu povo" (Lv 7.27);
- "Portanto tenho dito aos filhos de Israel: Nenhum
dentre vós comerá sangue, nem o estrangeiro, que peregrine entre vós, comerá
sangue" (Lv 17.12);
- "Tão-somente o sangue não comereis; sobre a terra o
derramareis como água" (Dt 12.16);
- "Somente esforça-te para que não comas o sangue; pois
o sangue é vida; pelo que não comerás a vida com a carne" (Dt 12.23).
Antes de entendermos tal questão, é preciso fazer uma
ressalva que, confesso, me deixa intrigado. Permita-me, o leitor, um brevíssimo
desabafo.
Comumente os evangélicos cometem o grave pecado de afirmar
que a Lei de Deus, isto é, as leis civis do povo de Israel do Antigo
Testamento, não são mais válidas para nós - quando, no entanto, Cristo foi
cristalino em dizer: "Não cuideis que vim destruir a lei ou os profetas:
não vim ab-rogar, mas cumprir" (Mt 5.17). Ele mesmo disse que era a Lei e
os verdadeiros profetas eram Sua boca: "E disse-lhes: São estas as palavras
que vos disse estando ainda convosco: Que convinha que se cumprisse tudo o que
de mim estava escrito na lei de Moisés, e nos profetas e nos Salmos" (Lc
24.44). Porém, embora tais pessoas digam que a Lei não está mais em vigor
(somente porque não conseguem vê-la sendo aplicada), frequentemente fazem
proibições aos membros e à igreja usando a própria Lei! Ora, isto é um
disparate profundo! Ou a Lei é válida, dentro do correto entendimento, ou não
é!
Bem, exposto o que me deixa intrigado (mas sei que não
somente a mim), destrinchemos a questão.
O Antigo Testamento trabalha com formas visíveis que
expressam realidades invisíveis. Por exemplo, o tabernáculo e o templo eram
Cristo prefigurado, a saber, apontavam para o Cristo que viria (Mt 26.61); as
leis de separação de animais, sementes e tipos de tecidos (Lv 19.19), ensinavam
ao povo que eles deveriam ser separados ao Senhor (Lv 26.12); o ano do jubileu,
tempo em que se restituía a terra àqueles que a haviam vendido para pagar
dívidas (Lv 25.13), era uma demonstração do perdão dado por Cristo e do amor
que une os irmãos (Jo 13.35). Assim, seguindo esta mesma sequência, temos as
referências ao não comer sangue.
O primeiro fato que devemos notar é o sangue não ser o mal
em si mesmo. O sangue não poderia ser a malignidade por si só, pois se assim
fosse, os sacerdotes não seriam instados a aspergir sangue no templo (Lv 7.14)
de Deus. Se a substância "sangue" fosse pecaminosa, de modo algum o
Senhor a requereria de Seu povo.
O segundo fato é o sangue ser uma figura que indica vida:
"Somente esforça-te para que não comas o sangue; pois o sangue é vida;
pelo que não comerás a vida com a carne" (Dt 12.23 - grifo meu). Notemos
que é uma "figura", algo que remete à vida. Bem sabemos que a vida
não está somente no sangue. Uma gota de sangue na estrada não indica que há um
ser humano, literal e completo, na partícula. Nosso corpo é formado de muitas
"juntas e medulas" (Hb 4.12), "De pele e carne" (Jó
10.11a), "de ossos e nervos" (Jó 10.11b)...
O terceiro fato diz respeito à necessidade, assim como nas
leis de separação de sementes e demais coisas, do povo ser instruído a
valorizar o sacrifício. Lembremos que o povo de Israel convivia constantemente
oferecendo holocaustos (ofertas totalmente queimadas), os sacerdotes degolavam
animais (Lv 4.15) e criaturas eram frequentemente oferecidas em sacrifícios ao
Senhor.
Assim, Deus havia proibido o comer/beber do sangue, não por
uma propriedade intrinsecamente má no sangue, mas, sim, por causa da
necessidade do povo aprender a não confundir e se perder na leviandade.
Este fato pode ser provado com os elementos da ceia sob a
luz do Novo Testamento (leia 1 Coríntios 11). Nenhum cristão, durante a ceia,
crê que os elementos sejam literalmente o sangue de Cristo [1], mas nem por
isso é displicente com eles - não se põe a ficar "fazendo bolinha"
com o pão ou erguendo o cálice para admirar a textura do vinho contra a luz.
Por que assim não se procede? Porque o momento é diferente; mesmo que os
elementos sejam os mesmos usados nas casas, para os jantares e
confraternizações, naquele momento eles representam algo mais importante.
Cuida-se para não banalizar o significado, não o elemento.
Desta forma, quando lemos na Escritura que não dever-se-ia
comer sangue, o propósito era ensinar os judeus sobre a necessidade de serem
santos (que significa ser separado) ao Senhor, não ingerindo o líquido que o
Senhor requeria para apontar o perdão dos pecados em Cristo Jesus (Hb 10).
Portanto, hoje, nós cristãos do Novo Testamento, podemos
livremente comer qualquer coisa com sangue (uma carne "mal passada"
ou galinha ao molho pardo, por exemplo), pois não mais vivemos nas sombras do
que os elementos tipificavam, e sim na luz, às asas do Altíssimo. O sangue, sim,
para sempre continuará a significar "vida" (tanto que somos instados
a somente o utilizar na ceia, a fim de seguirmos o padrão bíblico), mas não
mais como motivo de separação. Pelo sangue de Cristo estamos unidos a Ele, de
modo que o sangue, o líquido, não deve ser proibido aos cristãos.
O que dizer, por fim, do versículo, "Que vos abstenhais
das coisas sacrificadas aos ídolos, e do sangue, e da carne sufocada, e da
prostituição, das quais coisas bem fazeis se vos guardardes" (At 15.29;
21.15)? Para entendermos, é preciso analisar o porquê da recomendação
apostólica.
No início do capítulo 15 é relatado que, "alguns que
tinham descido da Judéia ensinavam assim os irmãos: Se não vos circuncidardes
conforme o uso de Moisés, não podeis salvar-vos" (At 15.1). Aqueles
cristãos advindos do judaísmo não se conformavam com o fato de não haver mais
necessidade de circuncisão física, pois agora ela se dava no coração (Rm 2.29).
Havendo, então, esta dificuldade para conciliar a vida de judeus convertidos
com gentios convertidos, "Congregaram-se, pois, os apóstolos e os anciãos
para considerar este assunto" (At 15.16).
Tal assunto não foi facilmente resolvido, de modo que lemos
haver ocorrido "grande contenda" (At 15.7) até mesmo entre os
apóstolos e anciãos (demais presbíteros reunidos). Pedro se levanta em meio à
assembleia e relembra aos irmãos, "que já há muito tempo Deus me elegeu
dentre nós, para que os gentios ouvissem da minha boca a palavra do evangelho,
e cressem... dando-lhes o Espírito Santo, assim como também a nós; E não fez
diferença alguma entre eles e nós, purificando os seus corações pela fé. Agora,
pois, por que tentais a Deus, pondo sobre a cerviz dos discípulos um jugo que
nem nossos pais nem nós pudemos suportar?" (At 15.7-10). A razão para isso
era a referência à Lei, que nos dizeres do escritor de Hebreus: "(Pois a
lei nenhuma coisa aperfeiçoou)" (Hb 7.19). Os judaizantes estavam tentando
persuadir aos convertidos de que a observância da Lei, por si mesma, seria a
causa da salvação - e nisto estavam errados.
Com isso em mente e a discussão em pauta, "tomou Tiago
a palavra, dizendo: Simão relatou como primeiramente Deus visitou os gentios,
para tomar deles um povo para o seu nome... Por isso julgo que não se deve
perturbar aqueles, dentre os gentios, que se convertem a Deus. Mas
escrever-lhes que se abstenham das contaminações dos ídolos, da prostituição,
do que é sufocado e do sangue" (At 15.13-14, 19-20).
Qual é, pois, a solução para nosso problema? Muito simples.
Uma vez que a Igreja de Deus florescia com judeus e gentios vivendo
conjuntamente, era necessário estabelecer um padrão, de modo que os judeus não
se escandalizassem pela não prática de certos ritos da Lei que haviam cessado
em Cristo e, também, de maneira a não levar os gentios (todos os outros povos
que não eram judeus) a viverem licenciosamente, como se nada devessem observar.
Este mesmo princípio, a saber, o de não ser escândalo para o
próximo, foi aventado pelo apóstolo: "Por isso, se a comida escandalizar a
meu irmão, nunca mais comerei carne, para que meu irmão não se
escandalize" (1Co 8.13). Ora, uma vez que a Bíblia não pode se contradizer
e notro lugar lemos, "Portanto, ninguém vos julgue pelo comer, ou pelo
beber, ou por causa dos dias de festa, ou da lua nova, ou dos sábados, Que são
sombras das coisas futuras, mas o corpo é de Cristo" (Cl 2.16-17), o
entendimento só pode ser um: que o motivo pelo qual os crentes do início do
Novo Testamento deveriam se abster de sangue e carne sufocada, não era pela
natureza em si dos elementos ou pela forma como ela era obtida, e sim para
evitar o escândalo e promover a unidade. Tal qual Paulo estava disposto a nunca
mais comer carne (sacrificada a ídolos [veja os versículos anteriores de 1Co
8.13)], caso isto trouxesse consequências na vida dos irmãos mais fracos na fé,
bem faremos se de igual modo procedermos.
Que este breve estudo, pela graça e misericórdia de Cristo,
o salvador de todos os Filhos de Deus, no qual as cerimônias sangrentas (assim
chamadas devido ao sangue) e todas as outras que envolviam prefigurações, foram
encerradas e definitivamente substituídas pelo novo Adão, possa, longe de nos
levar à devassidão, acima de tudo, nos instar a amar a Deus e ao próximo nos
laços fraternais de Jesus.
Louvemos ao Senhor pelo precioso Sangue de Cristo e não
temamos o comer e o beber.
"Portanto, quer comais quer bebais, ou façais outra
qualquer coisa, fazei tudo para glória de Deus" (1Co 10.31).
Editado em 17/02/2016: em verdade, o que escorre da carne
mal passada, por exemplo, sequer chega a ser sangue, conforme pode ser visto neste link.
Nota: [1] Esta heresia se chama transubstanciação (católica
romana) ou numa hipótese tão ruim quanto, a consubstanciação (luterana).
Hoje, portanto, superada essa fase, certas coisas não são
proibidas aos Cristãos... Pr. Alecs!!!
Bibliografia: Bíblia Arqueológica, Pb. André Sanchez, Filipe
Luiz C. Machado